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A PROVA ELETRÔNICA – LIMITES CONSTITUCIONAIS

Em recente artigo publicado no CONJUR, Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes comentam a instalação do Núcleo de Provas Digitais a quem compete, dentre outras coisas, prestar apoio para a produção de provas relacionadas às partes e pessoas envolvidas em processos judiciais, por meio da obtenção e tratamento de provas digitais (registros em sistemas de dados das empresas, ferramentas de geoprocessamento, dados de redes sociais, rastreamento por celular, mensagens em aplicativos, biometria, e outras) [1] e também destaca a Portaria Conjunta 31/2021, que dispõe que As ordens judiciais emitidas por magistrados da Justiça do Trabalho dirigidas à Microsoft Corporation, voltadas à solicitação de dados armazenados, deverão ser encaminhadas com a utilização da plataforma “LE Portal”, disponível no endereço https://leportal.microsoft.com [2].

Para os autores, ainda que o processo do trabalho se caracterize pela oralidade, “o que se observa atualmente é que tais meios de provas tradicionalmente utilizados no processo trabalhistas não mais contemplam a verdade real” e invocam o art. 369 do Código de Processo Civil, que dispõe que “as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz” e defende a possibilidade de se obter provas digitais além das redes sociais mais conhecidas e cita o WhatsApp, registros de ligações telefônicas, imagens, vídeos, etc.

Dizem ainda os autos que é indispensável a utilização de instrumentos que garantem a autenticidade e a integridade da prova produzida, podendo, inclusive, ser refutada por perícia técnica e cita decisão nos autos 0000200-26.2020.5.19.0010, onde é relatora Anne Helena Fischer Inojosa. 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região, reverteu uma justa imputada aplicada a um determinado empregado [7] por entender que, além de a prova produzida ter sido insuficiente, a empresa ainda detinha recursos tecnológicos para a comprovação da sua tese, todavia, não fez uso de tais instrumentos.

Em seu voto, a desembargadora relatora destacou: “Vivemos na época da 4ª Revolução Industrial, a da tecnologia, e ‘o comando da Justiça do Trabalho espera que as provas digitais sejam usadas na solução de ações sobre justa causa, horas extras, equiparação salarial e assédio moral e sexual, entre outros temas’ (Folha de São Paulo, edição de 25.4.2020, ‘Justiça Trabalhista rastreia celular e redes sociais contra falsos depoimentos em ações — TST vê mais segurança na busca da ‘verdade dos fatos’ com provas digitais; advogados alertam para limites da tecnologia’), não restam, no presente caso, dúvidas sobre a licitude das gravações das suas conversas telefônicas profissionais que poderiam ter sido juntadas pela empresa aos autos, mas não foram”.

O artigo não atenta para o mais relevante, o uso indiscriminado da quebra de sigilo em processos cíveis, violando a constituição Federal, o Marco Civil da Internet e a Lei 9.296/96.

A matéria é disciplinada nos artigos 22 e 23 do Marco Civil da Internet que dispõem que a  parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet, desde que haja  fundados indícios da ocorrência do ilícito; justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória e período ao qual se referem os registros, cabendo ao “ juiz tomar as providências necessárias à garantia do sigilo das informações recebidas e à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem do usuário, podendo determinar segredo de justiça, inclusive quanto aos pedidos de guarda de registro.”

Cabe destacar que na esfera civil, há uma barreira constitucional, na medida em que a Constituição Federal dispõe ser “inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”, o que em regra exclui a possibilidade da quebra de sigilo nos processos cíveis e laborais. 

A quebra de sigilo de dados e telefônica é objeto de regulamentação específica, nos termos da Lei 9.296 que trata da interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal.

O STJ no voto exarado no HABEAS CORPUS Nº 203.405 – MS reconhece que a regra é só admitir a quebra de sigilo telefônico, de dados e telemático está “restrita às hipóteses de investigação criminal ou instrução processual penal”.

No caso em destaque o STJ admitiu a excepcionalidade da quebra no caso em questão, por se tratar de subtração de menor e que, apesar de se tratar de uma ação em vara de família, o Tribunal a quo relata a grande probabilidade de ilícito penal e grave risco para o próprio menor, justificando-se a excepcionalidade por conta da ponderação de interesses. 

Entretanto, no direito do trabalho, entendo muito pouco provável e raríssimas as possibilidades de mitigação da norma constitucional num procedimento de ponderação de interesses. Ademais, numa relação laboral as partes devem promover os registros dos fatos pari passu aos seus acontecimentos, podendo fazer uso dos registros no futuro, e neste sentido se posicionou o Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região no caso retro mencionado.

[1] Disponível em http://www.csjt.jus.br/web/csjt/-/trt-12-sc-implanta-primeira-unidade-dedicada-a-provas-digitais-na-justi%C3%A7a-do-trabalho . Acesso em 23.09.2021.

[2] Disponível em https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/191675/2021_atc0031_tst_csjt_cgjt.pdf?sequence=1&isAllowed=y . Acesso em 23.09.2021.

 

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