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O federalismo em xeque

O federalismo nos Estados Unidos da América surge a partir da necessidade das colônias originais e então Estados de cooperarem para alcançar dois objetivos principais: garantia de segurança externa diante de um inimigo comum e a construção de bases de desenvolvimento econômico em caráter nacional. O federalismo foi construído como uma alternativa à estruturação aglutinadora dos Estados sob a forma de confederação, trata-se de um processo em que os Estados cederam parte de sua soberania para a União.

A construção do federalismo brasileiro se deu por meio de um processo diverso do norte americano, a república surge para substituir um império, de sorte que aqui se deu uma transferência de poderes da União para os Estados. Adotou-se no Brasil o modelo federativo como uma necessidade para a acomodação dos arranjos políticos regionais já existentes, que se mostraram relevantes para viabilizar a presença do Estado central desde o período colonial. 

São processos inversos: enquanto no modelo americano os Estados cedem parte de sua soberania à União, no brasileiro é o poder Central é quem transfere parte de seu poder para os eixos regionais.

A dinâmica da formação federativa brasileira reverbera até os dias atuais, posto que o país ainda não encontrou equilíbrio no exercício das competências constitucionais, menos pela inexistência de um arcabouço jurídico que propicie um arranjo institucional eficaz, e mais por conta de processos políticos disfuncionais decorrentes de uma disputa pelo poder dissociada de propósitos cooperativos, ou seja, a incapacidade da federação brasileira seguir objetivos e políticas públicas nacionais efetivas justifica-se na prática política mais do que em debilidades institucionais na distribuição das competências.

A República já nasceu sujeita a disputas regionais que bloquearam um federalismo eficaz e produtivo, com os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul disputando esferas de poder e influência e, necessariamente concentrando nas respectivas regiões os eixos de desenvolvimento, criando um país que tinha dificuldade de buscar objetivos comuns.

Ainda que na sua formação o federalismo brasileiro tenha sofrido forte influência dos poderes regionais, com o surgimento do Estado Novo o poder central volta a ter maior protagonismo e até 1988 vivemos estruturas institucionais onde o eixo do poder ora se deslocava para as regiões, ora para o poder central, com maior ênfase neste último, já que foram largos os períodos que estivemos sujeitos ao controle pelas armas.

Segundo ABRUCIO (1994), o regime militar pós 1964 buscou centralizar ao máximo o poder político na esfera de influência do governo federal, um modelo unionista que buscava “eliminar a influência centrífuga das unidades subnacionais presente no federalismo do período de 45/64”, que conflitava com o modelo autoritário, o que ocorria principalmente em razão da pulverização dos recursos orçamentários apenas de acordo com os interesses regionais, em detrimento de uma racionalidade macroeconômica e na força dos governadores na esfera política nacional.

Uma das formas de deter a esfera de influência dos governos estaduais foi centralizar as decisões orçamentárias e os recursos tributários no Governo Federal.

Com a redemocratização surge um novo cenário onde o processo político impacta diretamente nas relações federativas. 

A Constituição Federal de 1988 traz uma nova realidade, com base no princípio da predominância de interesses com a proposta de um cooperativa, estabelecendo além de nichos exclusivos para cada ente, áreas de intercessão de competência comum, além da possibilidadede delegação de competências. 

O art. 21 da Constituição trata das competências exclusivas da União, o art. 25 §§ 2º e  3º do Estados e o art. 30 do Municípios, o art. 23 das competências executivas comuns e o art. 24 das competências legislativas concorrentes.

A Constituição deixou a maior parte das políticas públicas e competência legislativa  de impacto nacional a cargo da União, já os assuntos de natureza local a cargo dos municípios,  e atribuiu aos Estados um competência residual, restando-lhe muita pouca margem de manobra.

O parágrafo único do art 23 atribui às Leis Complementares a função de disciplinar a  cooperação entre entes federados, mas ainda não há normas suficientemente adequadas a atender  todo o leque de ações cooperativas previstas na Constituição.

Para ARRETCHE (2004) “a autonomia política e fiscal dos governos estaduais e  municipais permite que estes adotem uma agenda própria, independente da agenda do  Executivo federal”. Ainda que os entes sejam dotados de autonomia, a estrutura federativa brasileira permite que os mesmos atuem de forma colaborativa na busca de um objetivo nacional, o que demanda uma coordenação onde as relações intergovernamentais e uma fundamental mobilização dos partidos políticos em torno das políticas públicas, uma ação equilibraria a balança de interesses locais e nacionais, entretanto, “o exame dos mecanismos e processos que tornam possível coordenar ações entre esferas de governo indica que esta capacidade é diretamente afetada pelo modo como estão estruturadas as relações federativas nas políticas particulares. Pesquisas sobre as políticas implementadas pelos governos locais não concluíram que exista relação significativa entre as decisões de governo e o pertencimento às siglas partidárias nacionais (Rodrigues, 2003; Marques; Arretche, 2003, apud ARRETCHE, 2004).

Há uma grande dificuldade de coordenação de políticas públicas quando “o governo central e os governos subnacionais competem por um mesmo “pool” de eleitores ao ofertar serviços similares em um dado território.” BORGES (2010)

A estrutura fiscal do pais propicia a prevalência dos interesses da União, e tal  circunstância se agrava a partir de uma processo político partidário completamente disfuncional, onde nas disputas regionais os mosaicos são completamente contraditórios, e  diante da dificuldade de estruturar políticas publicas cooperativas em razão dos interesses  políticos intragovernamentais. Na ausência de propostas de políticas públicas nacionais com  vieses definidos pelos partidos políticos, que atuam com foco nas estruturas regionais, nos resta  um sistema clientelista e patrimonialista que impede a ação colaborativa.

As competências constitucionais foram capturadas pela política partidária clientelista. Num país onde o eleitor de baixa renda busca às suas necessidades básica e imediatas, a política clientelista estrutura programas que tendem a ofertar bens de natureza privada, uma relação direta entre o governo e o interesse do eleitor, mas vai além, o clientelismo revela-se e sustenta-se na própria formação da estrutura burocrática, com o número excessivo de cargos comissionados, permitindo que os partidos identifiquem e privilegiem seu próprio eleitorado em detrimento dos demais.

Muito embora os Estados e Municípios tenham papeis institucionais a desempenhar, a proposta constitucional de um federalismo cooperativo se desconstrói diante de uma realidade política voltada exclusivamente para o controle do poder, o que torna inútil qualquer esforço de se construir processos nacionais capazes de transformar o país.

As distribuições de competências como posta na Constituição atende o interesse do país e permite a cada ente da federação atuar no tratamento dos problemas a partir de sua esfera de influência, mas esta mesma Constituição pressupõe uma ação coordenada e colaborativa, uma dinâmica de difícil execução em face dos interesses particulares dos partidos políticos, que não conseguem atuar a partir de políticas e programas nacionais por conta dos arranjos regionais, o que constitui uma verdadeira barreira, de sorte que apenas um novo arranjo institucional politico partidário, capaz de aglutinar os interesses nacionais é capaz de atribuir eficácia e efetividade ao processo de distribuição de competências na federação brasileira.

Bibliografia

Abrucio, Fernando Luiz Os barões da federação. Lua Nova: Revista de Cultura e Política [online]. 1994, n. 33 [Acessado 12 Dezembro 2021] , pp. 165-183. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0102-64451994000200012>. Epub 21 Jan 2011. ISSN 1807-0175. 

https://www.scielo.br/j/ln/a/KW8TCLTZW86HPNLZVGdrztD/?format=pdf&lang=pt acesso 

ARRETCHE, Marta, Federalismo e Políticas Sociais no Brasil, problemas de coordenação e 

autonomia, São Paulo em Perspectiva, São Paulo, 2004

https://www.scielo.br/j/spp/a/yrdb5VzhMD8wyrZDDS6WvvP/?format=pdf&lang=pt

BORGES, Andre, Federalismo, dinâmica eleitoral e políticas públicas no Brasil: uma tipologia e algumas hipóteses, Sociologias, Porto Alegre, 201

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